Descida na terra
Laé de Souza
Jesus batia um papo descontraído e observava o vagar das estrelas, quando o João falou:
"É Mestre, logo, logo será o ano 2.000" , ao que Jesus respondeu: "João
do Céu, se tu não comentas eu nem percebia, de tão rápido que passou".
Reuniu seus discípulos e pediu um voluntário para ir até a terra dar uma olhada em como
andavam as coisas, pois já era tempo de ele voltar. Como acontece também por aqui quando
surge a necessidade, alguns fizeram de conta que não ouviram, outros que andavam com
outras ocupações. A verdade é que ninguém manifestou interesse, pelo que, o Mestre
determinou que viesse o Pedro. O Guardião do Céu ainda retrucou com a sua
responsabilidade de cuidar da porta, ao que o Jesus respondeu que ele era de sua inteira
confiança, embora não tivesse esquecido a sua negação por três vezes e estivesse
percebendo que ultimamente ele estava mandando entrar sem muito questionamento. Portanto,
que passasse as chaves provisoriamente para o Lucas ou que deixasse a porta aberta de uma
vez.
Assim, Pedro, munido do seu caderno de anotações, desceu à terra para trabalhar, com a
ordem de que fosse rápido.
Passado um tempo, Jesus, contrariado, ordenou que se formasse um furacão que arrebatou o
Pedro, que na sua frente foi questionado: "Não estou te conhecendo Pedro. No meu
tempo na terra eras um santo. Agora que estavas sozinho, não sei o que andastes a
aprontar, que fostes morto e por três vezes tive que te ressuscitar. Ordenei que fosses
com rapidez e nunca mais querias voltar. Te apareci em sonhos e visões te chamando a me
prestar contas e tu, nem aí. De que lado estás, afinal?"
Pedro, com respeito e com olhos voltados para a terra lá de longe respondeu:
"Perdão Senhor, mas é que tudo está mudado. Voltar em cima do um lombo de um
jumento e nascer em uma manjedoura, nem em sonho. Eles se locomovem em veículos, voam aos
montes numa coisa chamada avião e até ouvi boatos de que já foram à lua. Pois é,
aquela mesma que o Senhor nos proibiu de ir nos nossos passeios, eles já foram lá. As
mensagens que demoravam uma vida para chegar, eles agora mandam na mesma hora por
Internet. Computação é o que há no momento e se Tu resolveres descer Senhor, irás ter
que aprender a lidar com essas coisas. E seria até bom para acabar com esse fichário
todo daqui. Outra coisa, aquela pregação para a multidão, sem gravar um CD, nada feito.
Tu terás que chamar algum desses compositores que vieram para cá, para fazer uma letra
qualquer, senão a turma não vai às tuas pregações. Lembras de quando a gente se
gabava quando Tu pregavas para mil pessoas? Agora através de uma tal de televisão
fala-se com milhões. E Tu tens que ir preparado para as câmaras, senão ninguém vai te
dar atenção. Quanto a morrer por três vezes, Senhor, a coisa lá embaixo está tão
complicada que nem santo consegue ficar vivo. Os teus chamamentos, eu ouvi, mas confesso
que era tanta novidade que eu estava confuso e até agora estou sem entender muita
coisa".
Jesus, irritou-se e ameaçou descer e acabar com tudo, ao que Maria, que tudo ouvia,
intercedeu pelos homens, pedindo paciência e que Ele desse nova chance. Quem sabe eles
caíssem na real. O Mestre cedeu ao apelo, mas avisou que daria apenas mais um pouco de
tempo, e pela última vez. E cochichou para o Pedro: "No próximo milênio, sem
estardalhaço, tu vais comigo e se a coisa estiver igual, eu encerro o assunto na
hora."
Laé de Souza, 48, cronista, teatrólogo e poeta. Bacharel em Direito e Adm.de
Empresas. Autor dos livros: Acontece...(95), Coisas de Homem & Coisas de Mulher (99),
Acredite se Quiser!(00). Cronista semanal no jornal Periscópio - Itu-SP. Membro da
Academia de Letras de Jequié, da SBAT, da União Brasileira de Escritores. Autor do
projeto "Encontro com o Escritor" , aprovado pela Lei de Incentivo Cultural e
entra no seu terceiro ano com a participação de cerca de 20.000 alunos das escolas
públicas de São Paulo (capital e interior), com o objetivo de estimular o interesse pela
leitura e a criação de textos.
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