Marieta na luz medonha
Ana Karina Frank Corrêa
Assentou-se longe das lamparinas e passou a
gemer por lá mesmo. Os jornais sujavam ligeiramente sua saia rosada, da comida que
Britinho havia mendigado por lá. Sentia-se suja, na verdade, até de alma. Como já não
havia resgate, deixara a saia sujar, como mostra de orgulho falacioso pela imundície.
O pranto ora fazia-se doce. Era o sono que quase já a tomava chegava lento,
confortável e quase que socorria. Dormiria por lá? Talvez devesse arranjar novos
jornais. Marieta enxugou o pranto, ergueu o rosto esgrouviado quase que de forma atrevida.
Levantou-se e foi-se a buscar novos jornais.
Passou pelo irmão Britinho, que deitado ao chão nu, erguia as pernas ao alto e batia os
pés sobre a parede. Lembrou-se da banca da Avenida das Luzes próxima ao beco,
que, propositalmente, era bem iluminada lá poderia arranjar jornais limpos.
Dormiria quase que confortável, porque queria mesmo era arranjar um colchão velho e uns
trapos, e dormir feito dorme sua irmãzinha e a velha. Marieta já se conformara de que
não podia ser cobiçosa.
Ajeitou as folhas num canto do beco, onde a umidade não pudesse tomá-la tanto... Estava
perto da irmã e da velha. Cobria-se desajeitada, talvez por causa do vento. Sentia-se
incomodada com os barulhos de Britinho: esses eram mais incômodos do que os que se faziam
na Avenida das Luzes desordem de bêbados, de buzinas e festas de gente
privilegiada. Os barulhos de Britinho eram de felicidade excêntrica, conformista,
infundada.
Um sopro de revolta atrapalhava o seu sono.
Mas, fechou os olhos com muita força. Agora queria realmente dormir! Não lhe podiam
tirar o sono, já que era este uma alegria de todas as noites. Marieta sempre aguardava
ansiosa a hora do sono; nunca tivera pesadelos... quando dormia deparava-se com um mundo
afável!
O corpo incomodava... Seu corpo era objeto de asco, de desejos violentos, de cobiças
rejeitáveis. O corpo de Marieta não a pertencia, era de qualquer um
principalmente. Dor, dor, agonia quase que interminável... Marieta queria chorar, mas
virou-se, desistindo da idéia por considerá-la covarde. Era provável que conseguiria
resistir.
E parecia mesmo que o martírio a perseguia. Talvez não devesse dormir, talvez fosse um
aviso de Deus pensou, no desespero. Um besouro decorria ligeiramente a perna nua de
Marieta... Olhava para a irmã: essa sim era feliz! Nascera há alguns meses, não sabia
contar, pois o tempo lhe passava despercebido, estava a viver, somente. Mas queria, que
nem a irmã, ter o afago da mãe, poder dormir no colo, descansar lá a cabeça pesada,
suja...
Velha filha-da-puta; eu queria tanto... e os olhos de Marieta
delicados, mas sofridos, lagrimejavam um pedido de humildade mesclada com ódio.
Fechou-os, empurrando o besouro para a esquerda.
Ao nascer do sol todo o beco já era tomado por agitações: carroças que estreitamente
eram empurradas, bêbados amanhecidos, crianças esfaimadas e berrantes. Marieta acordou
com a fumaça do fumo da velha, perturbando a cara e levando-a com forças à realidade.
Levantou-se, alongou-se, mas não tinha tempo para tolices, para vaidades... Foi-se logo
para o ponto principal da Avenida das Luzes.
Ana Karina Frank Corrêa (1987), diz possuir a idade estúpida de 19
anos e que julga-a assim por talvez causar-lhe tantos impedimentos. Não tem textos
publicados em livros.
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